"Mensagem" e "Os Lusíadas"
Os lusíadas:
O géreno épico
O género épico remonta à antiguidade grega e latina sendo os seus expoentes máximos Homero e Virgílio.
A epopeia é um género narrativo em verso, em estilo elevado, que visa celebrar feitos grandiosos de heróis fora do comum reais ou lendários. Tem pois sempre um fundo histórico; de notar que o género épico é um género narrativo e que exige na sua estrutura a presença de uma acção, desempenhada por personagens num determinado tempo e espaço. O estilo é elevado e grandioso e possui uma estrutura própria.
Extrutura externa da obra:
Os Lusíadas estão divididos em dez cantos, cada um deles com um número variável de estrofes, que, no total, somam 1102. Essas estrofes são todas oitavas de decassílabos heróicos, obedecendo ao esquema rimático ―abababcc‖ (rimas cruzadas, nos seis primeiros versos, e emparelhada, nos dois últimos).
Extrutura interna da obra:
Camões respeitou com bastante fidelidade a estrutura clássica da epopeia. N’ Os Lusíadas são claramente identificáveis quatro partes.
Proposição — O poeta começa por declarar aquilo que se propõe fazer, indicando de forma sucinta o assunto da sua narrativa; propõe-se, afinal, tornar conhecidos os navegadores que tornaram possível o império português no oriente, os reis que promoveram a expansão da fé e do império, bem como todos aqueles que se tornam dignos de admiração pelos seus feitos.
A Mitificação do herói:
Simbologia do Velho do Restelo
Naturalmente, o Velho do Restelo não é uma personagem histórica, mas uma criação de Camões com um profundo significado simbólico.
Por um lado, representa aquela corrente de opinião que via com desagrado o envolvimento de Portugal nos Descobrimentos, considerando que a tentativa de criação de um império colonial no Oriente era demasiado custosa e de resultados duvidosos. Preferiam que a expansão do pais se fizesse pela ampliação das conquistas militares no Norte de África.
Essa ideia era, sobretudo, defendida pela nobreza, que assim encontravam possibilidades de mostrarem o seu valor no combate com os mouros e, ao mesmo tempo, encontravam nele justificação para as benesses que a Coroa lhes concedia. A burguesia, por seu lado, inclinava-se mais para a expansão, vendo ai maiores oportunidades de comercio frutuoso.
Por outro lado, se ignorarmos o contexto histórico em que o episódio é situado, podemos ver na figura do Velho o símbolo daqueles que, em nome do bom senso, recusam as aventuras incertas, defendendo que e preferível a tranquilidade duma vida mediana a promessa de riquezas que, geralmente, se traduzem em desgraças. Encontramos aqui um eco de uma ideia cara aos humanistas: a nostalgia da idade de ouro, tempo de paz e tranquilidade, de que o homem se viu afastado e a que pode voltar, reduzindo as suas ambições a uma sabia mediania (aurea mediocritas., na expressão dos latinos), já que foi a desmedida ambição que lançou o ser humano na idade de ferro, em que agora vive ( est. 98). Neste sentido o episódio pode ser entendido como a manifestação do espírito humanista, favorável a paz e tranquilidade, contrário ao espírito guerreiro da Idade Média.
Assim, o episódio do Velho do Restelo está de certo modo em contradição com aquilo mesmo que Os Lusíadas, no seu conjunto, procuram exaltar esforço guerreiro e expansionista dos portugueses. Essa contradição é real e traduz, de forma talvez inconsciente, as contradições da sociedade portuguesa da época e do próprio poeta. De facto, Camões soube interpretar, melhor que ninguém, o sentimento de orgulho nacional resultante da consciência de que durante algum tempo Portugal foi capaz de se destacar das demais nações europeias. Mas Camões era também um homem de solida formação cultural, atento aos valores estéticos do classicismo literário e imbuído de ideais humanistas. Se, ao cantar os feitos dos portugueses, ele dá voz a esse orgulho nacional, que sentia também como seu, na fala do Velho do Restelo e em outras intervenções disseminadas ao longo do poema, exprime as suas ideias de humanista.
Simbologia da "Ilha dos Amores"
Terminada a viagem do Gama e antes de regressarem a Portugal, o poeta dirige os nautas para a Ilha dos Amores, onde, por acção de Vénus e Cupido, receberão o prémio do seu esforço.
Trata-se de uma ilha paradisíaca, de uma beleza deslumbrante. A descrição do consórcio entre os portugueses e as ninfas está repassada de sensualidade. Os prazeres que lhes são oferecidos são o justo prémio por terem perseguido o seu objectivo sem hesitações.
Todo o episódio tem um carácter simbólico.
Em primeiro lugar, serve para desmitificar o recurso à mitologia pagã, apresentada aqui como simples ficção, útil para ―fazer versos deleitoso.
Em segundo lugar, representa a glorificação do povo português, a quem é reconhecido um estatuto de excepcionalidade. Pelo seu esforço continuado, pela sua persistência, pela sua fidelidade à tarefa de expansão da fé cristã, os portugueses como que se divinizam. Tornam-se assim dignos de ombrear com os deuses, adquirindo um estatuto de imortalidade que é afinal o prémio máximo a que pode aspirar o ser humano.
De certo modo, podemos dizer que é o amor que conduz os portugueses à imortalidade. Não o amor no sentido vulgar da palavra, mas o amor num sentido mais amplo: o amor desinteressado, o amor da pátria, o amor ao dever, o empenhamento total nas tarefas colectivas, a capacidade de suportar todas as dificuldades, todos os sacrifícios. É esse amor que manifestam Gama e os seus homens; é ele que permite a tantos libertar-se da ―lei da morte. É também esse amor que conduz Camões a ―espalha os feitos dos seus compatriotas por toda a parte e tornar-se, também ele, imortal.
É esse amor, comum a si próprio e aos seus heróis, que o leva a dizer, na Dedicatória a D. Sebastião.
Mensagem
Estrutura da obra:
A poesia da “Mensagem” poderá ser vista como uma epopeia, pois parte de um núcleo histórico. Contudo, a sua formulação é simbólica, mítica, e não possuirá continuidade.
O poema Mensagem, exaltação do Sebastianismo que se cruza com a expectativa de ressurgimento nacional, assenta num simbolismo e misticismo, revelador de uma faceta oculta e mística do poeta.
Há na mensagem uma transcrição da história de uma nação, mas transfigurada, onde a acção dos heróis, só adquire pleno significado dentro duma referência mitológica. Aqui só serão eleitos, só terão direito à imortalidade, aqueles homens e feitos que manifestam em si esses mitos significativos.
Assim, a estrutura da Mensagem, transfigura e repete a história duma pátria como o mito dum nascimento, vida, morte e renascimento de um mundo. A cada um destes momentos corresponde (respectivamente) o “Brasão”, o “Mar Português” e “O Encoberto”.
O “Brasão” corresponde à primeira parte e ao plano narrativo da história de Portugal, n’Os Lusíadas, onde encontramos hérois míticos ou mitificados, desde “Ulisses” a “D.Sebastião, rei de Portugal”. Trata-se de heróis vencedores, nalguns casos, mas falhados na opinião geral, ignorados, ou quase, por Camões.
O “Mar Português” corresponde à segunda parte e ao tempo da “acção épica”. Constituída por doze poemas inspirados na ânsia do desconhecido e no esforço heróico da luta contra o Mar – figurados em “O Mostrengo”, “Mar Português” e “A Última Nau”.
“O Encoberto” corresponde à terceira parte, onde se insinua que o Rei Encoberto virá, “segundo as profecias de Bandarra e a visão do Padre António Vieira, numa manhã de nevoeiro”. Assim, a terceira parte, é toda ela um fim, uma desintegração; mas também toda ela cheia de avisos, de forças ocultas prestes a virem à luz depois da “Noite” e “Tormenta”, dando origem ao novo ciclo que se anuncia: o Quinto Império.
Linguagem e estilo:
A linguagem é lapidar, também carregada de simbolismo e, por vezes, arcaizante. Corresponde este aspecto à vontade do autor intemporalizar conceitos que convergem para o ideal absolutizado que deseja cumprir, assumindo-se como um Super Poeta, um Supra Camões.
O lirismo revela emoção do poeta, perante a grandiosidade da Pátria, representada na excelência dos seus heróis bélicos, na audácia dos seus nautas, no idealismo dos seus profetas.
Os elementos épicos presentificam um “épico sui-generis” de sentido entusiasmo, voz de incitamento aos portugueses para devolverem à Pátria a sua glória passada, numa sublimação futura.
O mito:
As figuras e os acontecimentos históricos são convertidos em símbolos, em mitos, que o poeta exprime liricamente. “O mito é o nada que é tudo”, verso do poema “Ulisses”, é o paradoxo que melhor define essa definição simbólica da matéria histórica da Mensagem.
Sebastianismo:
A Mensagem apresenta um carácter profético, visionário, pois antevê um império futuro, não terreno, e ansiar por ele é perseguir o sonho, a quimera, a febre de além, a sede de Absoluto, a ânsia do impossível, a loucura. D. Sebastião é o mais importante símbolo da obra que, no conjunto dos seus poemas, se alicerça, pois, num sebastianismo messiânico e profético.
Quinto Império: império espiritual:
É esta a mensagem de Pessoa: a Portugal, nação construtora do Império no passado, cabe construir o Império do futuro, o Quinto Império. E enquanto o Império Português, edificado pelos heróis da Fundação da nacionalidade e dos Descobrimentos é termo, territorial, material, o Quinto Império, anunciado na Mensagem, é um espiritual. “E a nossa grande raça partirá em busca de uma Índia nova, que não existe no espaço, em naus que são construídas daquilo que os sonhos são feitos… “A Mensagem contém, pois, um apelo futuro”.
Resumo/Análise superficiais de alguns poemas:
1.ª Parte
1. O dos Castelos
» Personificação da Europa
» “Futuro do passado” designa uma alma que permanece.
2. Ulisses
» Lenda da criação da cidade de Lisboa por Ulisses
» “O mito é o nada que é tudo”: apesar de fictício, legitima e explica a realidade
» O mito está num plano superior à realidade, dada a sua intemporalidade
3. D. Afonso Henriques
» D. Afonso Henriques equiparado a Deus, tendo como missão o combate aos Infiéis
» Vocabulário de dimensão sagrada: “vigília”, “infiéis”, “bênção”
» Referência ao aparecimento de Deus a D. Afonso Henriques na Batalha de Ourique
4. D. Dinis
» Mitificação de D. Dinis pela sua capacidade visionária (plantou os pinhais que viriam a ser úteis nos Descobrimentos); construtor do futuro
» O Presente é “noite”, “silêncio” e “Terra”, enquanto que o futuro é os pinhais, com som similar ao do mar, daí a “terra ansiando pelo mar”
5. D. Sebastião rei de Portugal
» A “loucura” ou “sonho” é a capacidade de desejar e ter iniciativa, para ultrapassar o estado de “cadáver adiado que procria” (simplesmente vive esperando a morte)
» Convite a que outros busquem a grandeza para construir algo importante (“Minha loucura, outros que me a tomem”)
» Para ser grande, Portugal deve ter loucura e desejar grandeza, para poder “renascer o país”
» Enquanto figura histórica, D. Sebastião morreu em Alcácer-Quibir (“ficou meu ser que houve”) mas persiste enquanto lenda e exemplo de “loucura” (“não o que há”)
» Apesar do fracasso, a batalha de Alcácer-Quibir é importante para motivar e recuperar Portugal do estado de “morte psicológica”
2.ª Parte
1. O Infante
» “Deus quer, o Homem sonha, a obra nasce”: descrição do processo de criação
» Porque Deus quis unir a Terra, “criou” o Infante D. Henrique para que este impulsionasse a obra dos Descobrimentos
» Mitificação do infante, criado e predestinado por Deus
» Depois de criado o Império material (“Cumpriu-se o mar”), “o Império se desfez”, faltando “cumprir-se Portugal”, sob a forma de um Quinto Império espiritual
2. Horizonte
» O horizonte (“longe”, “linha severa”, “abstracta linha”) simboliza os limites
» Descrição das tormentas da viagem (passado), da chegada (presente) e reflexão (projecção futura)
» A esperança e a vontade são impulsionadoras da busca
» O sucesso permite atingir o Conhecimento como recompensa
3. Ascensão de Vasco da Gama
» Capacidade de interferência de Vasco da Gama no plano mitológico das guerras entre deuses e gigantes
» Ascensão de Vasco da Gama e dos Portugueses, porque devido aos seus feitos “se vão da lei da morte libertando”, perante pasmo quer no plano mitológico (deuses e gigantes) quer no plano terreno (pastor)
4. O Mostrengo
» Existência permanente do desconhecido
» O homem do leme treme com medo do perigo, mas enfrenta-o (herói épico)
» Imposição progressiva do homem do leme ao mostrengo
5. Mar Português
» Lamentação do “preço” dos descobrimentos e reflexão sobre a sua utilidade
» O mar (“sal”, “lágrimas”) é de origem portuguesa – mitificação de Portugal
» “Tudo vale a pena/Se a alma não é pequena”: o preço da busca é recompensado, neste caso tornando-se português o mar.
» É no mar (desconhecido) que se espelha o céu
» Cumprir o sonho é ultrapassar a dor
6. Prece
» Poema de transição da 2.ª para a 3.ª parte da obra
» Descrição negativa do presente e consequente saudade do passado
» “O frio morto em cinzas a ocultou:/A mão do vento pode erguê-la ainda.”: Debaixo das cinzas ainda resta alguma esperança
» Demonstração do desejo de novas conquistas
» Independentemente da conquista, interessa “que seja nossa” para recuperar a identidade e glória passadas.
» O Passado é representado pela grandeza nacional (Descobrimentos) e o Presente pela saudade do passado, daí a necessidade de recuperar o fulgor e o tom de esperança implícito no poema